A sua grande habilidade e capacidade vocal, associada a uma excepcional aptidão para executar instrumentos, dos clássicos aos étnicos, dão-lhe o estatuto de versátil. Sendo este um dos aspectos de Té Macedo que mais rapidamente salta à vista, não é o seu único ´traço distintivo. A artista corporiza ainda muito valor humano, tenacidade e uma simpatia de difícil mensurabilidade.
A encarnação das mil faces da música
O facto de ser a única tocadora de marimba conhecida é um dos aspectos incontornavelmente referidos em artigos e publicações que falem sobre Té Macedo. Outro título a ela associado é o de “cantora lírica”. Porém, ao que tudo indica, nenhum destes qualificativos esgota o âmbito da componente artística de Benuina Maria da Rosa Macedo – como os pais acordaram chamar-lhe. Pelo que a realidade tem demonstrado, “cantora versátil” seria a designação que melhor faria jus às suas características.
Nascida num dia 05 de Junho, no Marçal, um bairro da periferia de Luanda. Quando tinha um ano (em 1971) a sua família trocou o Marçal pelo bairro da Terra Nova, onde passou a viver. O seu nome, Té, é um diminutivo de Teresa, que o pai quis atribuir à filha. Acabou levando o nome da avó materna, Benuina, mas continuou ser tratada pelo nome derivado de Teresa.
Menina assanhadinha, segundo conta, desde cedo tornou-se muito conhecida pelas redondesas da Terra Nova, desde às B’s C’s…. e zonas afins. O seu gosto pela música também revelou-se muito cedo, tendo passado a coordenar o grupo coral de crianças da Igreja Cristo Rei (ex-São Domingos) quando tinha apenas nove anos.
Orientada pelos pais, que facilmente se aperceberam do talento do seu rebento, aos cinco anos começou a estudar balett na Academia de Música de Luanda. De 1978 a 1988 estudou piano, tendo-se dedicado ainda ao estudo de guitarra e clarinete.
Té Macedo conta que, mesmo antes de ir para a escola de música, tocava piano, mas de ouvido. Quando ouvisse o pai tocar ou apreciasse os acordes de uma música, pouco tempo depois era capaz de tocá-la com uma perfeição que impressionava quem a ouvisse. Esta habilidade foi desenvolvida fundamentalmente em casa, com considerável ajuda de Eduardo Paim, tratado por Kambwengo no seio familiar. Este último na altura havia chegado do maqui e estava hospedado em casa da família Macedo.
“O Kambwengo era particularmente bom em captar melodias apenas de ouvido e eu também desenvolvi esta técnica”, disse. Té Macedo confessou, inclusive, que nos primeiros tempos do estudo de piano ela decorava as notas exemplificadas pela professora e fingia estar a ler a pauta… até que a professora descobriu que a sua pupila não estava a ler as notas, embora as reproduzisse com perfeição.
O seu namoro com a marimba também remota dos tempos da sua meninice. Sempre suplicou aos mestre da marimba que a ensinassem, mas eles alegavam que a marimba apenas podia ser tocada por homens, sob pena de quando crescer ter os seus seios caídos de modo irremediável. Passou a captar os sons e espiar as técnicas. Quando um dia foi surpreendida pelos mestres a tocar a marimba com uma habilidade insuspeita, os especialistas renderam-se e, excepcionalmente, ensinaram os segredos da marimba à Té.
“Sangue, suor e lágrimas”
O período da vida que se seguiu a 1988 é definido por Té Macedo como tendo sido de “sangue, suor e lágrimas”. Depois de dez anos de estudo na Academia de Música de Luanda, “beneficiou de uma bolsa da cooperação Portuguesa, tendo ingressado no Conservatório de Música de Lisboa aonde estudou piano e canto. Terminou o curso de canto com a classificação final de 18 valores.
Este percurso, que poderia ser reduzido a poucas linhas numa nota biográfica, foi marcado por muitas lutas e dificuldades, como fez questão de realçar. “Tinha apenas 17 anos e estava a viver distante dos pais pela primeira vez. Houve várias situações de racismo e discriminação que tornaram ainda mais difícil este período”.
Té Macedo conta que durante a sua formação era muitas vezes discriminada. “Diziam-me muitas vezes: sabes que estás a tirar lugar a um português? Porque não estás a estudar com uma bolsa do teu país?…”. A autora da obra “kibukidilu” assinalou que o racismo é muito frequente da música clássica.
Relata, por exemplo, que depois de terminar o curso concorreu na Ópera Nacional de São Carlos (Portugal), onde ficou em 2.º lugar, mesmo tendo tido um desempenho que muita gente considerou ter sido consideravelmente melhor que o da concorrente que ficou em primeiro lugar, que por sinal era de nacionalidade portuguesa. Também concorreu na Gulbenkian, onde ficou em 6.º lugar. Estas colocações não permitem obter um contrato por tempo indefinido, mas apenas um contrato por termo certo.
“Depois de tudo o que passei no conservatório, o meu maior sonho era voltar em grande para o mau país”. A cantora considera ter realizado este sonho, tendo em conta a aceitação e o reconhecimento que o seu trabalho tem merecido. O seu primeiro espectáculo em terras angolanas foi no Huambo, em Maio de 2001. Depois teve outras actuações, como em Dezembro do mesmo ano, no casamento da empresária Isabel dos Santos e no festival de música “Festidez”, onde o público confirmou as suas capacidades artísticas, de que se foi falando desde à sua apresentação no planalto central.
Admite que tem sido muito bem tratada pelo público, particularmente em Angola, independente mente das idades e estratos sociais. Em 2005 foi agraciada pelo Prémio Nacional de Cultura e Artes.
A sua versatilidade instrumental e vocal levaram-na à autoria do primeiro projecto Angolano Lírico de fusão. Té Macedo pegou em temas do cancioneiro nacional e deu-lhes uma roupagem erudita, casando a orquestra sinfónica com instrumentos tradicionais e vocalmente imprimindo-lhe uma forte componente lírica.
O projecto, que veio amadurecendo desde 1997, foi gravado em Cuba com a Sinfónica Nacional, e contou com a participação do renomeado cantor / autor Pablo Milanés e as primeiras figuras da ópera cubana.
Durante o tempo em que estudou em Portugal, para além de ter aprendido oito anos de música e quatro de canto, frequentou paralelamente o curso de direito (até 3.º ano) e outros cursos técnico-profissionais como: contabilidade, secretariado, animação sócio-cultural, teologia básica e informática. “Por um lado queria voltar ao país o mais preparada possível. Por outro, queria contrarias a ideia que muita gente tem, de que o artista não sabe fazer mais nada”.
Aconteceu comigo
Um dos momentos que a nossa convidada desta semana destacou como tendo sido particularmente marcante foi, durante a gravação do seu disco “kibukidilu”, ter tido a oportunidade de trabalhar com Pablo Milanês, um grande nome da música. Foi ainda mais emocionante saber que era a primeira vez em que aquele monstro da música grava numa língua que não o espanhol… e cantou em kimbundu no tema “Maria Kanfimba”.
Outro grande momento, conta, foi quando numa gala no Cine Tropical os técnicos se esqueceram de ligar o meu microfone. “Sem me aperceber deste pormenor, cantei normalmente com outros artistas que tinham os microfones activados, sem que a minha voz tivesse sido abafada pelos outros sons…. Foi emocionante”.
Té Macedo Responde
Que factos mais a marcaram?
O nascimento do meu primeiro filho e o lançamento do meu primeiro disco
O que significou para si o disco
Foi o culminar de um processo de amadurecimento pessoal e profissional. O facto de ter antes trabalhado com outros grupos, como os “Jovens do Hungo”, “Ngoma Makamba” e outros artistas, como é o caso do Bonga e do Valdemar Bastos, permitiu-me ganhar experiência e criar um cartão de visitas próprio
Dom e estudo, o que é mais importante?
Para mim o dom é mais preponderante do que o estudo da música
Que acções defenderia em prol da música nacional?
A criação de um conservatório que desperte o gosto pela música nacional de raiz e a execução de instrumentos nacionais; a criação de uma fundação que descubra e promova novos valores no domínio das artes bem como a urgente recolha, sistematização e formalização do cancioneiro angolano.
Por António Kassoma “NGUVULU MAKATUKA”
Texto publicado no “Caderno de Fim de Semana” do Jornal de Angola em 2012