4 de Abril

RESENHA HISTÓRICA SOBRE A PAZ EM ANGOLA

 

Luísa Rogério*

 

A 4 de Abril de 2002 registou-se o acontecimento que encerrou o período mais negro da História recente de Angola. Para trás ficavam cerca de quarenta anos de uma guerra que deixou quatro milhões de deslocados, cem mil mutilados e cinquenta mil crianças órfãs. Somam-se às pesadas cifras vários milhares de mortos e um país literalmente destroçado. O virar da página foi selado pela assinatura, entre o Governo angolano e a UNITA, do Memorando de Entendimento Complementar ao Protocolo de Lusaka.

Numa cerimónia que inseriu o 4 de Abril no calendário das grandes comemorações nacionais como o Dia da Paz, os generais Armando da Cruz Neto e Abreu Muengo "Kamorteiro" assinaram o Memorando na presença de representantes da comunidade internacional e, sob o olhar esperançado de milhões de angolanos.

 Para tal desenlace foi determinante a vontade política das partes signatárias, que autorizam às chefias dos dois exércitos a conversar sem mediação estrangeira, ao longo de quinze dias. Lwena, a capital do Moxico, albergou as negociações entre militares das FAA e FALA que assinaram, a 30 de Março, o memorando complementar para a cessação das hostilidades e resolução das questões pendentes nos termos do Protocolo de Lusaka.

O cessar fogo, que já era um facto, foi formalizado a 4 de Abril.

As conversações haviam iniciado no período subsequente a morte em combate de Jonas Savimbi, assinalada a 22 de Fevereiro. A assinatura do Memorando pôs também termo a 27 anos de acordos mal sucedidos entre o MPLA e a UNITA.

O primeiro pacto tem 31 anos. Aconteceu no Algarve, a 15 de Janeiro de 1975 quando, vencidas várias tentativas frustradas, os líderes dos três movimentos de libertação – MPLA, FNLA e UNITA – foram reconhecidos por Portugal como os únicos e legítimos representantes do povo angolano.

Na presença de Vasco Martins e Costa Gomes, respectivamente primeiro ministro e Presidente de Portugal, Agostinho Neto, Holden Roberto e Jonas Savimbi assinaram, pelos seus partidos, os chamados Acordos de Alvor. O consenso para o documento, de 60 artigos, foi obtido depois de seis dias de discussão. Nele se estabeleciam os mecanismos de partilha do poder até a proclamação da independência de Angola, marcada para 11 de Novembro de 1975.

O processo deveria passar pela eleição de uma assembleia constituinte, após a retirada das tropas portuguesas de Angola. Alvor foi antecedido de inúmeros encontros secretos, iniciados três meses antes, tendo o texto final resultado de uma pré-cimeira realizada em Mombaça, no Quénia. Os três movimentos esboçaram então as formas de divisão de poderes e a estrutura do Governo de Transição, assim como a integridade do território e a data da independência.

No entanto, nada disso aconteceu. Os políticos desentenderam-se e, no calor da guerra, Agostinho Neto proclamou, na data prevista, a independência de Angola. O conflito agudizou-se, aponto de ser considerado um dos mais violentos do mundo. A UNITA, a qual se atribuía um protagonismo menor na arena militar, armou-se, fez alianças e partiu para a guerra.

Ainda assim, a via negocial foi-se impondo novamente como a única solução para o calar dos fuzis. E aconteceu Gbadolite. Numa quinta-feira, 22 de Junho de 1989, a terra natal do deposto presidente do Zaíre, Mobutu Sesse Seko, acolheu 19 Chefes de Estado africanos, o rei Hassan II do Marrocos e o vice-presidente da Tanzânia, para testemunhar mais uma tentativa de paz para Angola.

Teria sido essa a primeira vez que José Eduardo dos Santos e Jonas Malheiro Savimbi se encontraram na condição de Presidente da República e líder do movimento rebelde, respectivamente. A declaração final aludia a "evolução positiva dos acontecimentos", fruto do qual se determinou a vontade de "todas as filhas e filhos de Angola porem fim a guerra e proclamar perante o mundo a reconciliação nacional".

Contudo, o derrube, poucos dias passados, das torres condutoras de energia eléctrica deixou Luanda às escuras, prática que consubstanciava um dos métodos de pressão celebrizados pela UNITA. Embora a responsabilidade tivesse sido imputada a uma vaca perdida, a trégua rubricada em Gbadolite não passou de um documento sem qualquer efeito prático, além da referência histórica.

Tudo continuou na mesma até 31 de Maio de 1991, altura em que o Governo e a UNITA, já sob mediação portuguesa, produziram os Acordos de Bicesse. Depois de largos meses de contactos directos entre delegações de alto nível por si mandatadas, o Presidente da República e o líder da UNITA assinaram um acordo pela segunda vez.

Ao abrigo de Bicesse, criou-se a célebre Comissão Conjunta Político Militar (CCPM) e foram marcadas para Setembro de 1992 as primeiras eleições multipartidárias em Angola. Altos dirigentes da UNITA escalaram, a partir de Junho de 1991, Luanda e outras cidades controladas pelo Governo. Em Setembro do mesmo ano, Jonas Savimbi desembarca na capital.

Às Nações Unidas foram encarregues de conduzir e supervisionar o processo. A britânica Margareth Anstee foi nomeada representante do Secretário Geral da ONU, tendo as eleições sido realizadas numa altura em que faltava completar a desmobilização militar e a formação do exército único se encontrava na fase embrionária.

Foi nesse contexto que a UNITA perdeu as eleições, consideradas genericamente justas e regulares pelas Nações Unidas e troika de observadores, constituída por Portugal, Rússia e Estados Unidos da América. O partido de Jonas Savimbi, que se mudara de Luanda para o Huambo na sequência da crise pós eleitoral, rejeitou as eleições. Fracassadas todas as tentativas de aproximação, o país voltou a ser sacudido pela guerra.

Entretanto, Boutros Boutros Gali nomeou a 28 de Junho de 1993, o diplomata maliano Alioune Blondin Beye para seu representante especial em Angola, em substituição de Margareth Anstee. O cargo chegou a ser cogitado para o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, rejeitado pela UNITA.

O maliano desdobrou-se em contactos, dando início, em Outubro de 1993, às conversações que inseriram a capital de Lusaka na rota da paz em Angola. Nessa fase, morriam cerca de mil angolanos por dia. Verdadeira maratona, as conversações tinham como regra o "black out" imposto por maître Beye.

Deixando para trás cerca de um ano de recuos, avanços, paragens, crises traumáticas e esperas angustiantes, o Protocolo de Lusaka foi finalmente assinado, a 20 de Novembro de 1994, depois de as duas delegações terem alcançado o entendimento formal nas últimas horas do dia 31 de Outubro.

Venâncio de Moura e Eugénio Manuvakola rubricaram o documento. Cento e cinco páginas deram substância ao Protocolo de Lusaka, que estabeleceu os princípios gerais e específicos e as modalidades de aplicação do Acordo. Fixou o prazo de dois anos para a execução das tarefas respeitantes aos dossiers reconciliação nacional, militar e os pendentes. O primeiro que incluía a inserção dos membros da UNITA na gestão dos assuntos do Estado e o estatuto especial para Jonas Savimbi foi o mais difícil de negociar.

Não obstante os atrasos, em finais de Dezembro de 1996, deu-se um passo de gigante na implementação do Protocolo. Nove generais da UNITA foram incorporados nas Forças Armadas Angolanas, passando o exército unificado a ser praticamente apartidário. Arlindo Chenda Pena "Ben-Ben", Chefe do Estado Maior das FALA, e Demóstenes Amós Chilingutila, seu antecessor no posto, encontravam-se entre os promovidos ao grau militar de general. Ben-Ben ocupou até a sua morte o cargo de vice-chefe do Estado Maior das FAA, ao passo que o segundo foi empossado vice-ministro da Defesa, com os demais quadros do seu partido que, a 11 de Abril de 1997, ocuparam os seus lugares no GURN.

Com a tomada de posse dos deputados da UNITA na Assembleia Nacional e o preenchimento do Governo de Unidade e Reconciliação Nacional, estava aparentemente concluída a execução do Protocolo de Lusaka. Apenas aparentemente. O processo encalhou na fase da reposição da administração do Estado e no desentendimento relativo às áreas diamantíferas das Lundas.

Mais negociações, incumprimentos e novas iniciativas de maître Beye indicaram a crise latente. A morte trágica de Alioune Blondin Beye, a 26 de Junho de 1998, quando tentava desesperadamente salvar o processo dos "inimigos da paz", anunciou o retorno à guerra.

Quatro anos depois da assinatura do Protocolo de Lusaka, Angola voltou a mergulhar num banho de sangue. Foram precisos mais quatro anos para se alcançar a paz definitiva. E, quatro anos volvidos, há ainda feridas por cicatrizar e uma nação em construção. Mas a certeza de que a “guerra ficou para trás” como canta Rui Mingas faz com que, apesar das diferenças e contradições inerentes a convivência democrática, os angolanos suspirem de alívio. Afinal, guerra, nunca mais!

 

(*) Repórter sénior de política, Presidente do Sindicato dos Jornalistas Angolanos

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16 respostas a 4 de Abril

  1. Njolela diz:

    Keep it up.

  2. Manuel ekuikui diz:

    Ninguem pode julgar o que foi feito ou aconteceu em Angola!
    todos quanto participaram deste teatro tiveram os seus motivos.
    Devemos todos consolidar a paz alcançada em 2002 e nao atribui culpas a ninguem.
    Bem haja para todos quanto lutaram por Angola.

    • florinda diz:

      hoje vivemos em paz.
      numa angola livre.
      o povo sofreu sim.
      hoje digo sobrevivi.
      acho até bom porque quando eu conto o que eu vi ninguém acredita. mais aconteceu sim.
      hoje est feliz, porque tenho meu pais livre. então valeuuuuuuuuuuuuuuuu.

  3. josemar diz:

    é muito benefico que tenha esta pagina porque permite que possamos ter um conhecimento amplo da historia do nosso pais e pessoas como eu que não presenciaram estes acontecimento sentimo-nos muito agradecidos por esta iniciativa

  4. josemar diz:

    somos vencedor

  5. Hoje é um dia em que todo angolano deve parar e pensar sobre o que tem feito de bom para o beneficío da paz e reconciliação nacional. Devemos todos juntos honrar este dia incomparavél e milagroso em Angola, vamos nos interar um pouco mais e saber sobre o histórial deste magnifico dia. Dizia Che Guevara: “Os tiranos podem abater uma, duas, ou tres flores, mas nunca impediram a primavera”. Quero com isso dizer que demorou tanto mais chegou a paz no meu paíz, outrossim, todos juntos de Cabinda ao Cunene, do Mar ao Lestte, como irmãos vamos gritar bem forte: viva o 4 De Abril/ viva a paz em AngolAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAaAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAaAAAAAAAAaAAAAAAAAAAAAAA! Eu amo todos os angolanos sem distinsão, pror isso para todos e com todos feliz dia da PAZzZZZZZZZZZZZZZZZZZ!

  6. Jeró Ross diz:

    É muito bom saber que houve pessoas que lutaram para uma Angola.
    Muitos sacrificaram a sua vida para defender os ideias do povo
    Não ha Culpado como inocente no que aconteceu,como não há vilões nem heróis
    nesta história

  7. Quim Paulo diz:

    Angola, seria necessário tornar ao ventre para renascer?, ser nova e crescer?, ser adulta em sua própria economia, politica, cultura e religião? linda e alegre? não, não é necessário, somente te basta mergulhar neste lindo 4 de Abril, se render em seus braços e com ele (4 de Abril) fazer história; e nós (teus filhos) nos lembraremos sempre jubilando dete 4, o 4 dos marujos da paz, o chão sólido dos cristãos que curvados buscam a paz, somente a paz (a paz do progresso,).
    Por: Quim Paulo (fabricante de literatura) /935 561 295 Kuanza Sul

  8. Gilsom diz:

    Éu gosto muito de história isto é muito bom trais novos conhecimentos é muito bom tenta vais vê.

  9. Inocêncio Caculo diz:

    Diz a palavra de Deus: quando ouvirdes a falar paz e segurança então lhes sobrevirá repentina destruição. nos procupemos em buscar a palavra de Deus, e não se a comodar com a paz das lapizeira, pos a paz terrestre não dura, já a paz selestial esta dura eternamente. Que Deus lhe ajude, esta paz é um terrivel engano, se já é paz porque a necessidade de tropas Militares, vejamos os jovens são obrigados a tratar recenciamento militar, tenha cuidado e busca a Deus, o que está para vir não é nada bom. Olha para as profecias de Daniel 2:40-44; e Apocalipse 11:14 a guerra ainda virá. Quem nos pode ajudar? somente Jesus é capaz. Que Deus lhe abençoi, e boa sorte meus queridos irmãos.

  10. keny diz:

    amei grande redação

  11. Albino Camati diz:

    Albino Camati Diz:
    06-04-2013 ash 30m
    Falar da Paz tenho a saientar que é um fruto precioso e dificil alcansar, so sertifica quem vivou a realidade por isso todos vamos preservar a paz que nos conguistamos, apesar das disficuldades inerentes no povo Angolano, com a paz pode dar passos infinitos a procura de condições mas com a guerra um passo tas morto, a paciência é amargo mas o fruto é doce por isso vamos ter paciê para que possamos nos orgulhar melhor bem haja pazzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz.

  12. emanuel pucuta diz:

    forca angola

  13. Pedro Camoli Paquissi diz:

    será que a paz está mesmo a ser consolidada dia-a-pois dia com democracia embriagada, desemprego por todo lado, obuso de poder pelos dirigentes disendo que sofrem de himunidade? Eu não acredito. Esta paz não é definitiva! Eu sei o porrquê que estou a dizer isto. É um segredo que talvés só eu saiba porque também vi sozinho.

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